O som que isso
faz querendo sair de mim é insuportável. Todos os dias me deparo com barreiras
repletas de códigos indecifráveis que me faz analisar criticamente a
existência. O conhecimento que tão genuinamente colhi no decorrer dos anos
parece um monstro de três cabeças a vigiar meu portão, e espantar os intrusos.
Percebo que tenho me tornado tão introspectivo e grosseiro que ando afastando
aqueles que tentam me ajudar.
O copo do café
morno está diante de mim numa tentativa fútil de revigoração matinal. Aquilo
não vai me despertar, aquilo não vai me aquecer. Completo a refeição com lascas
de pão dormido com ovos bem feitos e saio para trabalhar, o sol tênue a riscar meu rosto. O ônibus cheio me enoja, o trânsito
claustrofóbico me entedia. O prédio empresarial mais parece um castelo de
intrigas e jogos, um lugar de penitência e deleite. Parece que os mortos dançam
sobre mim, parece que meus superiores me esnobam. Arrasto-me pelos corredores,
enclausurado por grilhões financeiros e sociais. Eu não sei para onde iria sem
aquilo.
Fruto de uma
visão extremamente desorganizada e preguiçosa, ponho a lamentar. Eu preciso
sair daqui, digo a mim mesmo. Eu preciso viver a vida que quero, uma vida de
puro conhecimento e contemplação. Mas a preguiça me empurra pra baixo com seus
braços lodosos, e me obriga a uma rotina exaustiva e angustiante. Quero viver,
eu repito. Quero viver um amor.
Atribuo minhas
deficiências a uma falta de amor. Um homem que me preencha em todas as lacunas.
Os livros de autoajuda falham agora. Os conselhos diligentes dos amigos também
caem por terra. Eu só quero me agarrar em braços macios, e fazer amor até dizer
basta. Acordar de manhã e sentir que aquilo é real, ter uma razão pra viver
além de mesquinharias hipócritas. Os amigos não sabem, a família não sabe.
Ninguém sabe o que é isso, acredito eu.
Ao contrário das
admoestações do filósofo, o abismo não me contempla de volta. Nem ele me quer,
na verdade.