sábado, 25 de janeiro de 2014

O Poderoso Arco-Íris

História de aparente utopia e repressão

Eu tinha impressão de que ele era a pessoa correta para minha vida. É sabido que o amor nos meios homossexuais é difícil de encontrar. Pode parecer preconceito ou generalização, mas tudo parece tão promíscuo e fútil e escandaloso. Homens que se transformam em mulheres ou simplesmente constroem trejeitos estúpidos e vergonhosos. Aquilo que eu era – homossexual em sua totalidade e plenitude, amante de homens másculos e valentes – parecia não se encaixar na sociedade dos gays. A sociedade que de repente tomara o poder e sujeitou os heterossexuais ao mais profundo desespero.

Confesso que sinto vergonha do que sou. Dez anos atrás a homossexualidade começava a ser aceita e entendida, e as pessoas saíam aos montes do armário. Famílias passavam a sentir orgulho de filhos gays, governos se tornaram mais receptivos a esse público, a mídia trabalhava arduamente para exaltar a figura de que dois pais ou duas mães também eram bons para uma criança. Enfim, a sociedade deu um giro completamente absurdo e colocou o gay no centro de tudo. Enfim, a tão sonhada aceitação.

Antes que eu comece a citar as desgraças, voltemos ao que eu estava dizendo no início. Apaixonei-me por certo Heitor, que vivia três andares abaixo. Nada de surpreendente aí. Éramos um casal como qualquer outro, e vivíamos felizes. Só que as coisas saíram do controle. Numa utopia digna que arrancaria aplausos de George Orwell, certa discriminação começou a surgir. Os heterossexuais foram postos contra a parede, como que se eles fossem obrigados a também serem gays. Engraçado como ninguém notou que sem eles os gays não iriam existir. Tudo então ficou tão confuso e absurdo, a estigma que por anos os gays sofreram se voltava contra os heterossexuais. Heitor foi a pessoa que mais se empenhou na vizinhança de espalhar o preconceito e a intolerância. O homem doce e gentil se fora. Agora só existia um ser de puro ódio e rancor. Outrora sua boca linda de se beijar e de onda apenas saía coisas agradáveis, agora apenas saía lixo político.
Fugi pouco tempo depois, cansado de tamanha baboseira. Alguns poucos heterossexuais foram postos em clínicas para a procriação, e o resto foi caçado como animais. Foi horrível. A educação, as artes, o cinema, a literatura... Tudo fora modificado e reescrito a favor dos gays. As cidades empalideceram sem crianças nos parques. O homem que ocupava o Planalto, diziam, era o mais devasso. A sociedade ruía e ninguém se importava.

Em um dia claro de abril, houve uma grande insurreição da parte dos heterossexuais. Muitos se escondiam nas florestas e esgotos. Milhares de mortos nas ruas. O governo começava a se desestabilizar, enfraquecido com revoltas e dívida externa. Os heterossexuais voltavam ao poder, aos poucos e cambaleante.
Não sei o que dizer disso tudo, enfim. Não sei apontar a moral da história, se é que há alguma. Permaneço alheio a tudo, pois me parece mais saudável.

Há um arco-íris no céu, bem em cima da sede do governo. Ironia divina? Não sei. Só sei que o inverno se aproxima e que as coisas sempre pioram no inverno.  

Lá Vem Deus

Daqui a três horas, o Juízo Final vai começar. Sei disso porque Deus me disse. Não, não estou louco. Como João, fui “iluminado” por verdades divinas. Ou a ira divina, nesse caso.

Não avisei a ninguém para não causar pânico. Imagina que caos as três últimas horas da humanidade. As pessoas seguem suas vidas normalmente, mas curiosamente há certo temor embutido. Como se soubessem que o mundo estivesse acabando. Engraçado. Por mais de dois mil anos a civilização convergiu para esse momento, e sequer estamos prontos. Mas será que éramos para estarmos prontos? Deve fazer parte da tortura apocalíptica a surpresa, o espanto.

Os cálices com a ira de Deus estão prestes a serem derramados sobre a terra, e dona Selma ainda continua a reclamar sobre a infiltração. Seu Aparício continua a vender suas frutas e verduras normalmente na quitanda lá no térreo. Roberto, do 102, permanece traindo sua esposa com a empregada (eles são bem escandalosos). Nanda continua dando em cima de mim, mesmo sabendo que não estou nem um pouco interessado. Em resumo, a humanidade pratica seus pecados e suas hipocrisias como se nada estivesse prestes acontecer. Lógico, não posso julgá-los. Quem, em nome de Deus, iria prever uma coisa dessas?

Posso estar soando repetitivo, mas é porque estou completamente desesperado. Não terminei de pagar o apartamento, e muito menos o carro. Minha colação de grau seria depois de amanhã, se um evento catatônico não estivesse prestes a romper. O novo filme do DiCaprio ia estrear na sexta, e eu ia rever antigos amigos no sábado. Mas isso não vai acontecer. O fato de que tudo que fiz será avaliado em breve me põe em tal estado emocional que nem posso descrever. Deus, enfim, escolheu esse ano para ditar as sentenças.

Eu vou parar de escrever, afinal. Vou fumar meu último cigarro e tomar minha última dose, pois já ouço as trombetas.


O céu está negro e laranja. As pessoas gritam, choram, finalmente perceberam que não tem mais escapatória. Vou lá. Este momento é imperdível.