segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Dança dos Mortos

O som que isso faz querendo sair de mim é insuportável. Todos os dias me deparo com barreiras repletas de códigos indecifráveis que me faz analisar criticamente a existência. O conhecimento que tão genuinamente colhi no decorrer dos anos parece um monstro de três cabeças a vigiar meu portão, e espantar os intrusos. Percebo que tenho me tornado tão introspectivo e grosseiro que ando afastando aqueles que tentam me ajudar.

O copo do café morno está diante de mim numa tentativa fútil de revigoração matinal. Aquilo não vai me despertar, aquilo não vai me aquecer. Completo a refeição com lascas de pão dormido com ovos bem feitos e saio para trabalhar, o sol tênue a riscar meu rosto. O ônibus cheio me enoja, o trânsito claustrofóbico me entedia. O prédio empresarial mais parece um castelo de intrigas e jogos, um lugar de penitência e deleite. Parece que os mortos dançam sobre mim, parece que meus superiores me esnobam. Arrasto-me pelos corredores, enclausurado por grilhões financeiros e sociais. Eu não sei para onde iria sem aquilo.

Fruto de uma visão extremamente desorganizada e preguiçosa, ponho a lamentar. Eu preciso sair daqui, digo a mim mesmo. Eu preciso viver a vida que quero, uma vida de puro conhecimento e contemplação. Mas a preguiça me empurra pra baixo com seus braços lodosos, e me obriga a uma rotina exaustiva e angustiante. Quero viver, eu repito. Quero viver um amor.

Atribuo minhas deficiências a uma falta de amor. Um homem que me preencha em todas as lacunas. Os livros de autoajuda falham agora. Os conselhos diligentes dos amigos também caem por terra. Eu só quero me agarrar em braços macios, e fazer amor até dizer basta. Acordar de manhã e sentir que aquilo é real, ter uma razão pra viver além de mesquinharias hipócritas. Os amigos não sabem, a família não sabe. Ninguém sabe o que é isso, acredito eu.


Ao contrário das admoestações do filósofo, o abismo não me contempla de volta. Nem ele me quer, na verdade.