sexta-feira, 11 de julho de 2014

Ano Cinza

Seu corpo estremeceu após o orgasmo. Era engraçado, mesmo após tantas e tantas masturbações. Tinha 15 anos, o auge da puberdade. Estava divido entre o prazer e a culpa, entre o gostoso e o doloroso. Ia todos os domingos à igreja, sem titubear. Entoava os cânticos o mais alto que podia, lia fervorosamente os versículos. Mas sentia que havia algo mais morando no seu interior. Algo que arranhava as paredes do seu ser, louco para escapar. Mas ele conseguia adormecer a fera, ano após ano.

Tinha 17 anos quando teve uma ereção ao ver o melhor amigo nu. A ereção lhe doía, como um espigão a cortar o tecido da bermuda. O sentimento de culpa latejava, alertando que ele queimaria no inferno. Em contrapartida, lhe deliciava a perspectiva de transar com outro homem. Ou sequer ter algum contato sexual. Percebera que transar com homens poderia ser surpreendentemente bom. Num arranco, se afastou da igreja, dando desculpas esfarrapadas. Sabia que não se afastava por conta de sua sexualidade, e sim porque se cansara daquilo. Não tinha mais sentido, não tinha mais prazer. Então se entregou aquilo que há muito lhe atormentava. Abriu uma porta, e o que ali havia lhe mostrou um mundo completamente novo.

Junto com as relações com homens, vieram os hábitos de beber e fumar. Sua sede de conhecimento aumentou, lhe forçando a buscar o tão sonhado presente de Atena em refúgios escuros. Julgava que mantinha uma vida boa, conciliando os estudos com o lazer. Nem o vestibular iminente lhe incomodava. Podia contornar aquilo. Podia contornar tudo.

Fez 18 anos. E começou a sentir uma profunda melancolia. Permanecia fazendo as coisas que já fazia, mas agora parecia que aquilo tudo não tinha mais sentido. Era tomado por um profundo sentimento de cansaço. Metaforicamente, tentava ver o horizonte. E tudo que via era um cinza, um cinza tênue de nevoeiro. Conseguia enxergar a paisagem lá no fundo, embora distorcida, mas não conseguia ver o caminho até lá. Sentia-se atordoado, parecia que enfim tinha chegado ao ápice de tudo que sonhara. A adolescência lhe escapava pelos dedos, finalmente. Duas décadas de vida se aproximavam, e ele não tinha a menor ideia de como agir. O que lhe esperava era segredo até mesmo pros mais sábios, aqueles que já viveram essa fase. O que lhe restava era esperar o nevoeiro passar, o caminho surgir radiante como o amanhecer.


Entretanto, o cinza lhe abraçava como um amante. E o seu abraço era frio como a morte.  

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Especial - As Crônicas de Gelo e Fogo e o Tem

Em 1996 despontou As Crônicas de Gelo e Fogo (A Song of Ice and Fire), quando depois de muito tempo o norte-americano George R. R. Martin decidiu publicar aquela que seria uma das sagas de fantasia mais aclamadas dos últimos anos. O segundo domo, A Fúria dos Reis, foi publicado dois anos depois e não muito tempo o terceiro volume, A Tormenta de Espadas. A partir daí surgiu o maior desafio que ASOIAF tem enfrentado: o tempo.

Há um período de anos bastante significativo entre o Tormenta de Espadas e o Festim dos Corvos, quarto livro da série. E ainda mais significativo entre o Festim e o Dança dos Dragões. E isso sem comentar o fato que o sexto romance, Ventos do Inverno, não possui data definida. Em suma: o tempo de publicação dos livros é o grande problema na vida de todos aqueles que estão envolvidos com a saga: dos fãs até o próprio Martin.

O ponto que se deve ressaltar é: é justo esse tempo de espera?

Justiça é algo que não se encontra tão facilmente em ASOIAF. Desde a decapitação de Ned Stark em Guerra dos Tronos, até a “morte” do Jon Snow em Dança dos Dragões, somos compelidos a perguntar-nos frequentemente o que é justiça. Por mais que essas figuras sejam ficcionais, por mais que toda trama não passe de pura imaginação (mas com gloriosas pintadas de história real), sentimos o baque de sentir a injustiça repetidas vezes, nos livros e na vida. Muita gente busca a literatura para escapar do seu cotidiano, que muitas vezes é repleto de injustiça, crimes, dores, angústias... Mas são justamente isso que encontramos n’As Crônicas.

Nesse ponto, somo masoquistas: porque persistir numa leitura que de certa forma nos trás desconforto? Porque, enfim, esperar anos e anos para ler um livro que nos fará chorar e causar ranger de dentes?

Porque sem dor, não há literatura. Sem dor e sem demora, não há ASOIAF.

Martin nunca nos prometeu conforto em seus livros, nunca nos prometeu finais felizes e previsíveis. A função do George, como escritor, é nos tirar da zona de conforto. Dar-nos aquele soco na boca do estômago. Quem acompanha a saga, ou até mesmo a série televisiva, percebe a complexidade da obra. Percebe que a história que tem em mãos ou que suas retinas captam não é só a velha baboseira medieval. É uma história que poderia ser contada em qualquer época, em qualquer lugar. E principalmente, é uma história que preza seus personagens. São eles que movem tudo, são eles que nos fazem suspirar de alívio ou gemer de dor a cada virar de página. E causar esses sentimentos, meus caros, é difícil. Requer tempo, requer estudo, requer dedicação. A facilidade em apontar um dedo acusador pro George Martin é facílimo. Mas pimenta nos olhos dos outros é refresco. Imaginem a posição do velho homem de Santa Fé: cobrado, tendo que escrever um livro onde tudo enfim irá convergir, onde tudo finalmente irá acontecer. Suponho que leitores do Dança dos Dragões tenham sentido algo a mais: um retesar, um recuo, como uma corda do arco. Uma preparação de todos os personagens do drama, enfim prontos para o tenebroso inverno que chegou.

O tempo nos é crucial na vida, e disso todos tem ciência. Mas então porque o tempo não pode agir em ASOIAF? Querem os fãs um livro esfarelado, ruim? Na opinião do humilde escritor, deixem o George Martin escrever. E que isso dure o tempo necessário. A ansiedade existe por parte de todos, sim. Mas meus caros, é o maldito inverno que chegou a Westeros. Vocês realmente têm certeza que estão prontos para ele?

E lembrem-se: George Martin não é sua vadia.