sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Senhor da Curva do Tempo

Ainda enxergo o cinza enfeitando o horizonte. Calmo, paciente e completo. Sigo tateando, procurando em mim mesmo a bússola quebrada. Eu preciso me orientar, repito. Preciso achar a saída disso. Mas o cinza me cobre, me lava e me enche. Ele é meu homem, é meu amante e é meu amor. A quem quero enganar ao sorrir, ao brincar, ao fazer piadas? A minha alma turva se retrai cada vez mais e não são poucos os esforços para buscá-la mas ela escapa das minhas mãos.

O cinza tirou minha fé. A bíblia agora são folhas amareladas e soltas no meio dos livros seculares. Deus não me ouve, não presta atenção. Tento ser racional, e enfim decidir o que quero. Mas o cinza é senhor, senhor da curva do tempo.

Ainda não vejo a saída do cinza, mas ela existe. Em mim e nos outros, nisto ou naquilo. No meu eterno pecado e deleite, no meu riso e minha perspicácia. Que o cinza saiba enfim da madeira de lei que é meu desejo de viver e existir.

E ele não me corrói.

domingo, 4 de setembro de 2016

Rua do Apolo

Entendo teu jeito mas não gosto.

Ele disse isso com um cigarro atravessado na boca e o rosto composto numa expressão de tédio. Tédio, tédio, tédio... os carros passavam lentos na rua apinhada de gente, a boate piscando mil cores, ambulantes vendendo três cervejas a dez reais, cheiro de noite no seu auge. Eu estava no brilho, com um copo de plástico com alguma bebida no qual não sabia o que era, e olhava para os seus lábios carnudos de um jeito débil. Ele olhava agora com um certo desprezo, escárnio. Eu não era mais interessante, se um dia eu fui. Ele olhava pros lados parecendo ansioso por alguém, eu olhava pra baixo buscando refúgio. Ambos procurávamos paz e descanso, amor e tesão, amizade e carinho. E nós tínhamos achado isso um no outro. Mas preferimos ignorar e esquecer. Por ora.

Ele jogou o cigarro fora e saiu pisando forte, embora estivesse mais bêbado do que eu. A mim restou sentar na calçada, e curtir um brega que começava a tocar no bar.

sábado, 28 de maio de 2016

Homossexuais Também Sabem Mentir

O que Ulisses propunha para si mesmo, no auge dos seus tumultuosos vinte anos de vida, era poupar-se de desgastes desnecessários. O cacto perigosamente equilibrado na janela demandava mais cuidados do que um numero expressivo de pessoas em sua vida, demandava um carinho outrora apenas direcionado a homens que não mereciam. O que Ulisses almejava mais que tudo era sair incólume do festim de dores, sair ileso do carnaval de trivialidades que pareciam surgir de todos os lugares. Ele necessitou pausar momentos cruciais de sua vida para perceber que nem tudo que reluz é ouro, que homossexuais também sabem mentir.

Tão docemente introduzido a conceitos desconhecidos, Ulisses conheceu o amor aos 17. Ele era alto, magro e branco. Não gostava desse tipo de homem, sentia que não deveria ceder mais prazeres a um grupo completamente privilegiado em todas as instâncias. Mas foi, cedeu a prazeres carnais, e naquele momento, chamou de prazeres imundos. A palavra sagrada girava na sua cabeça constantemente o lembrando de suas sinas. Mas o rapaz o convenceu a ficar, a tentar mudar o quadro. Olhando por um lado bom, Ulisses aprendeu e se aceitou, e compreendeu que não havia absolutamente nada de errado com ele. O gentil rapaz disse que o amava, e ele acreditou.

Merda, ele acreditou.

E sim, ele estava mentindo. E a dor dessa mentira o feriu mais que mil agulhas o machucariam. Conheceu enfim o amargo gosto da decepção, entendeu que pessoas fingem. Deus voltou a trovejar e exclamar que ele iria para o inferno. E Ulisses chorou por homem, chorou pelo sexo, chorou por amor.

Depois de tanto chorar Ulisses se levantou, maior que seus medos e maior que suas angústias. Saiu e bebeu e amou diversos homens. Adotou uma planta, adquiriu novos hábitos, conheceu pessoas. E a vida voltou a florescer. Hoje percebe seus erros, e ri deles. E constata, com um sorriso de canto de boca, que a mentira não possui sexo.

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Cheiro de Homem (A pupila então se dilata)

A pupila então se dilata, a corda se rompe e o cheiro se cria. Meu corpo se funde ao teu, desencadeando uma sensação tão boa e única. Você gira para o lado, sorri, e entende o momento. O triunfo, o crescimento de uma coisa inexplicável. Seria possível narrar meus orgasmos? Seria possível descrever em escrita algo simplesmente indescritível?

E por falar em escrever, tua boca escreve caminhos no meu corpo. Escreve e perpetra um marco. Feridas na minha pele, garganta apertada, o teu odor morando em mim. Você sabe o quanto amo teu cheiro. Cheiro de homem, cheiro daquilo. Daquilo sussurrado nos ouvidos das comadres, abafados com risos afetados. Aquilo que você sabe que é errado, ou finge não saber. A dança feita em cima da nossa própria cova. Eles falam que somos doentes, que somos aberrações. E eu não consigo compreender tanto ódio, eu não consigo compreender tamanho medo.

O medo.

O medo que verte enfim dos teus poros. Ele não mais interessa, ele não mais existe aqui. Agora só existe algo superior até mesmo o amor, e eu não sei te dizer. Mas sentir... Tuas mãos criam um laço na minha cintura, e o encaixe é magistral. Tua boca encontra meu membro, e eu mais uma vez não sei o que falar. O som seco do gemido é quase inaudível, ele se perde no meio de nós. Meu olho revirando é sinal de deleite, de dever cumprido.


Porque eu estou toda derretida por você, meu amor. 

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Mas Você Precisa Morrer

Você precisa morrer, e essa certeza é mais latente que meu amor por você. Amor esse banhado no meu suor, no meu sangue. Você talvez nunca compreenda o que eu tive que abdicar por você. Talvez nunca compreenda os sacrifícios feitos no altar dos meus limites, onde verti todos os meus anseios por você. Talvez nunca compreenda as feridas fundas na minha carne, geradas pela correntes da sua paixão. Talvez nem me compreenda, talvez não me enxergue mais.

Mas eu sei que você precisa morrer. O anoitecer me lembra disso, me lembra dos nossos pecados. Você nunca lidou muito bem com o que você é, com o que você gosta. Tudo isso foi muito novo pra você, e eu até compreendo. Mas você aprendeu rápido, aprendeu a sugar minha energia das melhores e das piores maneiras possíveis. E eu te odeio por isso.

Eu não vou te matar de verdade, pelo menos não dentro de mim. Lá no fundo você vai continuar dançando sua dança maligna junto ao meu deleite e ao meu desejo. Oh como eu te odeio e como eu odeio o que você representa na minha vida. Mas eu aceitei, te aceitei como força motriz. E se eu te desligar eu vou desfalecer em algum ponto da jornada, eu vou enlouquecer em algum ponto da vida.

Você precisa morrer, mas não agora. Talvez nunca.

sábado, 30 de janeiro de 2016

Ele Não Mora Mais Aqui

Ele abaixou a cabeça como se fosse chorar, mas não choraria mais nenhuma lágrima sequer. O corpo dolorido, o rosto chupado depois de tantos meses de lutas inúteis e expectativas frustradas. Antes lhe havia vida entregue num doce festim convidativo. Mas agora a coisa mudou de figura e uma nuvem escura pairava sobre sua cabeça. A natasha pela metade diante dele, o maço de dunhill amassado, ainda o cheiro de gozo entranhado nele. O gozo dele. A foda de despedida, e aquilo doía nele como mil facas na carne. Acabou então, acabou uma coisa tida como infindável. Infindável, infinito, infalível. Ele adorava dizer palavras com "in". E ele, o que foi embora, ria num sorriso que fazia o brilho do sol parecer um flash de uma câmera. Era a pior parte, o sorriso. Dele havia arrancado pecados e medos, delírios e forças. Mas agora acabou, ele disse em voz alta, acabou acabou acabou
Não há mais nada sob esse sol
Então se levantou e caminhou até a janela. E ali nada viu, pois sua visão estava turva de lágrimas.

sábado, 23 de janeiro de 2016

Signo & Ascendentes

A lembrança queima como ferro em brasa, meu amor. O prazer doado e aceito naquele doce amanhecer me vara os dias como uma flecha incendiária num milharal. Teu olhar de "sabe tudo", teu sorriso enviesado, cabelos negros como a noite que acabava de findar, juntos numa dança perpétua em minha memória. E dói, meu querido. Dói bastante. Porque eu tenho quase certeza que isso não vai se repetir, que aquilo que houve entre nós talvez seja mais uma lembrança pra você. Mais uma foda com um homossexual qualquer. Mas pra mim não, pra mim jamais. 

Acredito que isso não seja amor. Ainda não sinto as mazelas desse horrível penar. Mas meu signo solar e meu ascendente me delatam, e você é esperto o suficiente pra saber que é arriscado demais permanecer por perto. O seu próprio signo também denuncia seu desprezo por relacionamentos (se é que posso me confiar nisso), mesmo embora lá no fundo eu acredite que você também seja mais um a procurar o homem certo.

Foi denso e foi leve, sutil e delicado como uma brisa. Tuas mãos hábeis, meu receio em avançar, nossas bocas se fundindo num festim sensual, balançando como as ondas do mar que estava à um palmo de distância de nós, também vimos enfim o nascer do sol. E do contrário do que se anunciava, o nascer do dia, a noite infelizmente tinha terminado. E enfim você foi embora. E eu dormi o sonho dos justos, com o coração mais alegre e leve.

Mas também temendo, temendo meu maldito signo solar e meu maldito ascendente. E como eu te temo também. A lembrança é boa demais para ser apagada ou ignorada. O que posso fazer é sentar e lembrar. E mais uma vez voltar pra aquele doce amanhecer.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Aprendizagem

Eu aprendi a lidar com coisas que sempre achei que nunca lidaria. Acredito que a maturidade te obriga a isso, aturar gente que você não gosta e a pagar contas. Eu aprendi que existe coisas bem maiores lá fora, pessoas vivendo e a natureza agonizando. Você enfim aprende que sua vida não é o fator motriz da existência, e que sem a sua "preciosa vida" a existência vai muito bem, obrigada. Eu aprendi que paixões vem e vão como folhas secas no quintal, e que você vai esquecer o nome daquela paquera da época de ginásio.

Eu constantemente aprendo a levantar após apanhar. Ficar no chão só permite que os outros passem por cima de você. Você vira um tapete gasto, se permitir, cheio de marcas desconhecidas mas que causam asco ao visitante. Você também aprende a vigiar sua própria porta, e que ninguém pode entrar sem sua permissão. Você até pode ser de ferro, mas não o seu coração.

Eu aprendi enfim que a vida venta para todos e em todos os lugares.

Mas às vezes é difícil enxergar no meio dessa ventania.