História de
aparente utopia e repressão
Eu tinha impressão de que ele era a pessoa correta para minha
vida. É sabido que o amor nos meios homossexuais é difícil de encontrar. Pode
parecer preconceito ou generalização, mas tudo parece tão promíscuo e fútil e
escandaloso. Homens que se transformam em mulheres ou simplesmente constroem
trejeitos estúpidos e vergonhosos. Aquilo que eu era – homossexual em sua
totalidade e plenitude, amante de homens másculos e valentes – parecia não se
encaixar na sociedade dos gays. A sociedade que de repente tomara o poder e
sujeitou os heterossexuais ao mais profundo desespero.
Confesso que sinto vergonha do que sou. Dez anos atrás a
homossexualidade começava a ser aceita e entendida, e as pessoas saíam aos
montes do armário. Famílias passavam a sentir orgulho de filhos gays, governos
se tornaram mais receptivos a esse público, a mídia trabalhava arduamente para
exaltar a figura de que dois pais ou duas mães também eram bons para uma
criança. Enfim, a sociedade deu um giro completamente absurdo e colocou o gay
no centro de tudo. Enfim, a tão sonhada aceitação.
Antes que eu comece a citar as desgraças, voltemos ao que eu
estava dizendo no início. Apaixonei-me por certo Heitor, que vivia três andares
abaixo. Nada de surpreendente aí. Éramos um casal como qualquer outro, e vivíamos
felizes. Só que as coisas saíram do controle. Numa utopia digna que arrancaria
aplausos de George Orwell, certa discriminação começou a surgir. Os
heterossexuais foram postos contra a parede, como que se eles fossem obrigados
a também serem gays. Engraçado como ninguém notou que sem eles os gays não
iriam existir. Tudo então ficou tão confuso e absurdo, a estigma que por anos
os gays sofreram se voltava contra os heterossexuais. Heitor foi a pessoa que
mais se empenhou na vizinhança de espalhar o preconceito e a intolerância. O
homem doce e gentil se fora. Agora só existia um ser de puro ódio e rancor.
Outrora sua boca linda de se beijar e de onda apenas saía coisas agradáveis,
agora apenas saía lixo político.
Fugi pouco tempo depois, cansado de tamanha baboseira. Alguns
poucos heterossexuais foram postos em clínicas para a procriação, e o resto foi
caçado como animais. Foi horrível. A educação, as artes, o cinema, a
literatura... Tudo fora modificado e reescrito a favor dos gays. As cidades empalideceram
sem crianças nos parques. O homem que ocupava o Planalto, diziam, era o mais
devasso. A sociedade ruía e ninguém se importava.
Em um dia claro de abril, houve uma grande insurreição da
parte dos heterossexuais. Muitos se escondiam nas florestas e esgotos. Milhares
de mortos nas ruas. O governo começava a se desestabilizar, enfraquecido com
revoltas e dívida externa. Os heterossexuais voltavam ao poder, aos poucos e
cambaleante.
Não sei o que dizer disso tudo, enfim. Não sei apontar a
moral da história, se é que há alguma. Permaneço alheio a tudo, pois me parece
mais saudável.
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