Acho que
não seria exagero dizer que passei por vários momentos da minha vida dizendo
essa palavra. Calma. Ou as vezes completando com um ‘calma, cara”. Eu disse
calma quando tive que apresentar um trabalho na frente de toda a classe. Disse
calma quando tomei meu primeiro porre e vi tudo rodar. Disse calma quando fui
prestar vestibular. Eu disse calma, há muito tempo, quando na infância eu senti
algo estranho dentro de mim observando outro menino. Eu disse calma quando
decidi contar isso pra minha mãe. Eu disse calma quando meu pai me ameaçou me
bater por causa disso. Eu disse calma quando tomei a decisão de sair de casa.
Eu disse calma quando um homem entrou dentro de mim. Eu disse calma quando me
vi sem dinheiro pela primeira vez. E eu disse calma quando ele bateu a porta e
foi embora.
E tento
dizer agora.
Tá
chovendo em Recife. Chuva de derrubar barreiras e alagar ruas. Dentro do quarto
olhando pra essa chuva eu tento me alinhar e conseguir achar uma maneira de
sair disso. Então lembro de dizer essa palavra. De senti-la na minha boca como
fumaça, ou como doce, e saboreá-la. Voltar a compreender que nenhum problema é
indissolúvel, que nenhuma chuva é eterna. Dou voltas e mais voltas em mim
mesmo. Dói. E eu sinto a dor aflorar como uma besta que surge da terra. A terra
de mim, as bestas que se escondem em mim. Meus pesadelos não me deixam dormir,
meus medos não me deixam acordar. Tento encontrar na neblina que são meus dias
os pilares da sanidade, e o que encontro são apenas vultos. Eu tento dizer
“calma” e não consigo. Mas eu tenho que dizer essa palavra como uma oração, um
mantra para espantar os maus espíritos.
Calma.
Diga mais
uma vez.