sábado, 16 de agosto de 2014

O Sorriso e Seus Horrores

O hotel apresentava simplicidade, tanto externamente como em seu interior. Móveis rústicos, paredes pintadas em cores neutras, plantas e flores comuns. O nome do hotel era Honolulu e em breve abrigaria uma assassina e sua vítima.

Ela caminhava em passos calmos pelo amplo corredor. O homem que lhe seguia estava completamente bêbado, quase derrubando os vasos. Mas ela estava firme, embora tenha tomado cinco generosos drinques de alguma bebida com vodca. Sorria um sorriso vermelho, com o batom marcando o colarinho do sujeito quando ambos adentraram no quarto. Suave, ela o despia, e o fazia uivar como um gato na cama. Ela era boa nisso, sempre fora. Ela os fazia esquecer o que eram ou onde estavam. E quando isso acontecia, sua faca entrava macia na garganta.

O homem gorgolejou algum pedido de socorro, e caiu da cama, sujando tudo de um escarlate muito vivo. Ela se levantou vitoriosa da cama, com a faca ainda pendendo em seus dedos. Sorria, sempre sorria durante todo o processo. Ele tentava de alguma forma fugir, escorregando em seu próprio sangue. O desespero estava estampado em seu rosto, para o deleite de sua acompanhante. Novamente ela adota o andar calmo, compassado, ensaiado. O homem ainda chega à porta, em um esforço descomunal. Mas desfalece, como um saco de frutas podre. Ela pega todo o dinheiro de sua carteira e todas as joias que este tiver. Eles sempre eram ricos.
A pior parte era limpar. Ela removia o corpo, colocava na cama e limpava tudo que podia. O corte da lâmina seria eternamente evidente, mas de alguma forma ela tentava disfarçar. Finda a faxina, tomava um banho. Esfregava todo o seu corpo, a fim de se livrar de possíveis evidências. Por fim, jogava a faca pela janela. O artefato cai brilhante no rio que corre ao lado, desaparecendo de vez com qualquer conexão.

Ela ainda dá um último beijo nos lábios sem vida de suas vítimas. E alguns minutos depois, sai triunfante pelo hall de entrada. Nunca repetia os hotéis, e nas suas costas já acumulava três assassinatos. A polícia já estava fazendo as ligações entre os casos, e ela precisava ser ainda mais sutil.  

Boa parte das luzes do Hotel Honolulu está apagada, só descobrirão o corpo pela manhã. Ela não tem pressa.

Ela nunca tem pressa.

***

Ela fora estúpida, burra e cega. Porque foi se apaixonar? E pior, se apaixonar por uma potencial vítima. Desde sempre tivera a compulsão por matar, em destruir a criação perfeita de Deus. Dava-lhe prazer ver os últimos suspiros de alguma pobre alma, de sentir a vida vazando pela sua respiração. Mas ele... Era duplamente desejável: um lado seu ansiava, pulsava por ceifá-lo. Outro ardia de tesão, querendo que ele é que a matasse. Mas de prazer, de paixão.

Sem saber muito bem o que estava acontecendo e o que estava fazendo, começou a se envolver com o tal rapaz. Ele era gentil, inteligente, esperto e deliciosamente pervertido. Contra a sua vontade, os sentimentos entraram na jogada. Nunca fora “fisgada” por alguém, mas como dizem: há uma primeira para tudo.

Decidiu que o desfecho daquilo se daria no Honolulu. Nunca voltava ao mesmo hotel duas vezes, e sabia que estava cometendo um ato imprudente. Mas ele lhe envolvia em seus braços, tão tranquilamente que parecia que eles eram feitos apenas para abraça-la.

Fora burra.

Fora estúpida.

Estava agora presa na cama, em algemas tão grossas quanto seu antebraço. Pela primeira vez em muitos anos, sentia medo. O horror gelar a espinha. Ele estava do outro lado da sala, com um sorriso tão encantador e igualmente mortífero. Tinha sorrido a noite inteira. Uma adaga, incrustada com adornos e símbolos, dançava em suas mãos. Ela sabia que todo o carma acumulado enfim havia se voltado contra ela. Seus passos eram calmos, como um tigre entediado que ver-se obrigado a se alimentar. Ela sabia que era inútil gritar, só dificultaria a situação. Ao mesmo tempo em que balbuciava palavras, que tentava estabelecer alguma comunicação, forçava a corrente da algema o máximo possível. Perto do dossel da cama estava sua bolsa, e dentro dela encontrava-se uma Beretta que há muito ganhara de presente de seu pai. Ela também planejava mata-lo, desde que pisaram no Honolulu. Acreditava que ele não estava percebendo, não tinha como. Ele subiu na cama, desabotoou o vestido de sua vítima com a adaga, e sorria. Sempre sorria.

Então um som reverberou pelas paredes, e um clarão pode ser visto da janela do oitavo andar do Hotel Honolulu. A Beretta enfeitava a mão da experiente assassina, que mais uma vez a disparou. Mais surpreso do que padecendo da dor do tiro, o jovem assassino caiu pesadamente sob o assoalho. Horrorizado, estupefato. Ela atirou contra os grilhões que a prendia. Em breve pessoas bateriam na porta, ela tinha que ser rápida. Não adiantava arrancar nada dele. Sabia que ele era como ela: um ser escravo do prazer de matar.
Fechou os olhos, e atirou mais uma vez.

Quando a polícia e os seguranças do hotel chegaram ao quarto, encontraram um cadáver recheado de tiros, mal possuindo sangue em seus buracos. Um leve cheiro de alvejante enjoava o ambiente, e ainda dava para ver resquícios de água e produtos de limpeza pelo quarto. A janela estava aberta, a que dava para o rio. Em seus vitrais preso estavam uma fita vermelha, provavelmente de algum vestido rasgado, como que um lembrete.


Eles sabiam que era ela. Sempre era ela. 

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