Era Natal. Todas as luzes acessas, pomposas ceias, presentes
baratos. Eu me afastei um pouco da mesa, e fui bebericar meu vinho na varada.
Confesso que o burburinho das conversas falsas entre meus parentes me enojava a
tal ponto que eu estava prestes a vomitar. Mas eu não era o único: Todos os
meus primos pelo visto fugiam também. Todos nós estávamos na casa dos vinte, ou
fazendo a transição. Mas também confesso que gostava de poucos deles. Eram
pudicos demais, ou hipócritas demais. Tão jovens e tão atrasados. Fui então
conversar com uma prima distante, vinda do interior. Seu olhar conciso, de quem
também queria fugir dali, me enfeitiçou a tal ponto que mal pude conter o
entusiasmo. Mas eu gostava de garotos, e ela logo percebeu. Não disse nada,
claro. Infelizmente determinadas coisas transparecem em gestos e expressões,
sempre algo que não se pode evitar. Ela deu uma desculpa qualquer, e se
afastou.
Com meu cálice já vazio, me obriguei a entrar aquela selva
de vozes e gritinhos excitados de fofocas. Peguei a garrafa de vinho sem pudor
algum e voltei. E no mesmo lugar onde minha prima estava agora tinha um garoto
do qual eu não conhecia. Aproximei-me dele.
- Oi.
- Olá.
- Com que você está?
- Com teu primo Beto.
- Ah, massa. E qual é teu nome?
- Gil.
- Prazer, Patrick.
Apertamos as mãos. Foi delicado, mas ao mesmo tempo forte.
Talvez fosse impressão minha, mas por um momento eu tinha sentido que ele havia
alisado meu polegar.
- Quer vinho?
- Ahn... Sim, obrigado.
Ele mostrou a taça e eu enchi a ponto de transbordar.
Parecia que eu queria embebar o garoto.
- Foi muito?
- Não, está perfeito.
Seria entediante dizer tudo o que conversamos, mas houve um momento interessante.
- Você é solteiro?
- Por quê? Interessado em mim?
- Talvez...
E ele sorriu. Um sorriso gostoso e espontâneo. Aquela boca parecia emanar um convite.
- Bom, eu tenho que ir agora.
- Mas já?
- É... Eu e teu primo vamos lá em casa...
Meu primo Beto veio do fundo da selva. Cumprimentou-me e fez
algo que me surpreendeu: Deu um rápido beijo em Gil. Aquilo me surpreendeu,
confesso. Não achava que Beto fosse...
- Temos que ir agora Patrick. Já falei com todos lá dentro –
Beto praticamente arrastava Gil.
- Ah, ok.
- Até mais Patrick, e obrigado pelo vinho – Gil deu um largo
sorriso.
- De nada.
E se foram. De mãos dadas, desafiando a conservadora
família. Eu permaneci com o vinho na varanda. Volta e meia entrava na casa,
trocava algumas palavras com o pessoal. Mas a minha ceia foi na varanda.
Essas coisas só acontecem no Natal.
Acordei. Gil dormia ao meu lado. Então fora tudo um sonho.
Fui a cozinha, bebi um copo d’água. Hoje já era 23 de dezembro, amanhã era a
grande ceia com a família. Gil detestava aquilo, mesmo após cinco anos de
relacionamento. Eu não conseguia parar de pensar no sonho. Na verdade, o que
tinha acontecido na vida real era o oposto. Era Beto na varanda, com a garrafa
de vinho a conversar com Gil. Foi eu a arrastá-lo para fora, a fim de leva-lo
para meu apartamento para nós fazermos nossa própria ceia.
Então, num ímpeto terrível fui vasculhar o álbum que tinha
em casa. Todo ano, religiosamente, minha família tirava uma foto com todos. E
eu vi: A cada ano dos cincos anos de relacionamento entre eu e Gil, eu notei a
aproximação dele com Beto. No primeiro ano, distantes e normais. No segundo,
lado a lado. No terceiro, uma mão no ombro. No quarto, um braço passado pelo
corpo. E no último ano, mesmo com o máximo de discrição possível, podia se ver
as mãos de ambos entrelaçados. Por incrível que parecia eu não me abalei.
Apenas fui buscar uma garrafa de vinho. Acho que a bebida oficial da depressão.
Estou ansioso pela próxima foto da família.