Senta. Pega algo pra beber. Fuma alguma coisa. Interaja
comigo. Olhe nos meus olhos. Diga-me que tudo irá ficar bem. Diga-me que não
houve culpados. Diga-me que tudo não passou de um mal entendo. Respire fundo.
Traga mais forte. Beba mais. Sorria idiotamente. Galanteie-me. Seduza-me.
Beije-me. Ame-me. Gema. Morda. Goze. Vire-se pra mim. Diga mais uma vez que
tudo vai ficar bem. E durma.
Daqui do meu
travesseiro eu te observo. Tão angelical dormindo, como uma criança indefesa.
Eu queria que você soubesse o quanto eu me arrependo. Por mais que você diga
que tudo irá se resolver, que eu não tinha como saber, me martirizo. E talvez
enfim, um dia tudo isso se resolva. Por enquanto vamos dormir.
Acorde. Deseje bom dia. Beije-me. Pergunta-me se eu dormi
bem. Sorria. Diga que dormiu perfeitamente. Diga que sonhou comigo. Ria. Diga
que não está mentindo. Beija-me mais uma vez. Vai ao banheiro. Vai a cozinha.
Prepara o café. Volta com uma bandeja. Diga que é pra comer tudo. Beije-me. Vai
tomar banho. Vai trabalhar. Vai viver.
Acredito que eu tenha
que fazer algo antes que o sol se ponha. Eu não consigo me perdoar. Eu
simplesmente não consigo. Eu sou tolo, fraco. Mas não sou tolo e fraco a ponto
de não fazer o que planejo fazer.
Chegue. Abraça-me. Beija-me. Pergunta como estou. Pergunta o
que tem pra jantar. Vai ao banheiro. Toma banho. Volte. Jante. Diga como foi
seu dia. Pergunte como foi o meu. Fique preocupado. Pergunte o que eu tenho.
Diga que é pra eu esquecer isso. Faça uma cara de incredulidade. Discuta
comigo. Xingue-me. Insulte-me. Humilhe-me. Diz que vai embora. Grite assustado.
Sangre. Caia. Morra.
A polícia está vindo. Eu não irei oferecer resistência. Espero que compreendam que eu tive que fazer aquilo. Eu fui um tremendo filho da puta. O que eu fiz não se faz a ninguém. Eu traí. Mas se a culpa é minha, porque o matei? Ora, por acaso ele não me traiu também? Mas ainda assim a pergunta persiste: Porque eu matei? Um egoísmo meu, talvez. Cego como um velho. Um surto, talvez. Como um maníaco sanguinário. A polícia chegou lá na portaria. Estou consciente o suficiente para me matar. Nunca imaginei que matar alguém lhe deixava atordoado, como se estivesse bêbado. Sangue. Tanto sangue eu tenho. Ou tinha. Preto e vermelho. O teto está girando. Ele está me olhando, um olhar frio e distante. A boa notícia é que nós vamos nos encontrar. Espero.