O cigarro parecia uma lanterna varando a noite. Eu tenho
consciência de que deveria parar de fumar, mas os fatos me impedem. Ele estava
do outro lado da sala, mas na verdade ele estava do outro lado da cidade. Ele
era como uma sombra esguia, uma coisa escorregadia. E depois de tantas juras
falhas de amor, depois de tantas promessas não cumpridas, eu agora me aquieto.
Com um cigarro na mão, observo e penso.
O solitário maço na mesa, ao lado das frutas quase podres,
enfeita o apartamento imundo. Ele odiava aquilo. Dizia que eu ia me matar, que
ele odiava o cheiro, etc. Mas ele nunca entendeu meus motivos pra fumar, se é
que há motivos. Mas depois ele sorria com um sorriso metálico, e me beijava.
Sabe, desses beijos quentes. E ia comprar leite e pães, com o gosto do meu
cigarro em seu hálito. Ele só aceitava isso porque me amava.
E sempre após o sexo, ou nas noites de verão, aquela coisa
suarenta e pegajosa, ele sempre me pedia um. Talvez fosse hipocrisia da parte
dele, ou apenas queria participar e entender a necessidade de se fumar após o
ato. Eu ria, e dava um cigarro pra ele. Ele ria ainda mais, e sua luz
completava a minha.
No dia que terminamos eu fumei um maço inteiro. Assim, como
quem bebe um copo d’água. Os olhos deles estavam vermelhos de tanto chorar, e
sua veia no pescoço saltava quando ele reclamava do meu maldito cigarro. Eu
replicava, e uma nova discussão começava. Até que uma hora
ele pegou suas coisas, bateu a porta, e foi embora.
Agora minha única companhia é o mal, é o ruim. É o suave e o
maléfico. Mas é o que há. É meu único amante. As estrelas cintilam nos céus de
primavera. E eu aqui, só. Pois meu cigarro acabou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário