Ele ardia. Por conta da gasolina, as chamas rapidamente
espalharam-se. Ela só observava. O fogo, que parecia seres míticos numa dança
ritualística, lambia o corpo do namorado com fúria. Sua dor foi sentida na
forma de grito. Um estridente som enchia o aposento, que começava a ficar cheio
de fumaça. O cheiro de carne sendo queimada rapidamente apareceu, fazendo-a
tapar o nariz delicadamente. Os olhos do seu namorado eram de pura agonia e
dor. Já os da garota, de um brilho sinistro.
Ela viu as fotos. Seu namorado aparecia com outra menina,
abraçando-a e beijando-a. Lágrimas rapidamente brotaram, e fez força para não
derramá-las. Não iria chorar por aquele desgraçado. Guardou cuidadosamente as
fotos no envelope. Alguém as enviara pela manhã, e não se sabia quem. Olhou
pela janela, a fim de talvez ver algum vislumbre do remetente. Nada relevante.
Foi na despensa, e rapidamente o achou. Um galão de gasolina.
Sempre tivera fascínio pelo fogo. Achava uma coisa mágica,
divina, e principalmente, tentadora. Sempre que tinha raiva de alguma pessoa, a
imaginava queimando. Ouvir o crepitar das chamas, o cheiro que sempre aparece,
e até o grito que a pessoa entoa. Sentia prazer nisso, um prazer proibido.
Ligou para o namorado. Ele viria dali à uma hora. Tempo mais
que suficiente. Além da gasolina, também havia trazido uma corda e um pequeno
peso, uma barra. Sentou-se tranquilamente na frente da televisão. As fotos
estavam no seu colo. Seria hoje que seu prazer seria consumado.
O namorado chegou. Ela, indiferente, o beijou. Ele estranhou
o comportamento dela:
- Está tudo bem?
- Tudo ótimo
Ele olhou para o colo dela.
- O que é isso?
- Abra
O rapaz a obedeceu. Quando viu seu conteúdo, ficou sem
palavras.
- Explique. – ela disse
- Amor... – começou a gaguejar – eu, eu...
A garota ergueu o peso e o usou para bater na cabeça do
namorado. Quando acordou, estava amarrado. Ela estava sentada, observando-o.
- O que significa isso?
- Você me traiu.
- Mas não precisa disso – sua voz era uma mistura de raiva
com medo – vamos conversar...
- Não há nada para conversar – ela pegou a gasolina. A cor
fugiu do rosto do garoto, que começou a gritar.
- Me tire daqui! – olhava para a gasolina e para o isqueiro
que ela trazia – não há necessidade disso!
- Não há, é verdade – ela estava terrivelmente calma – mas
você me irritou. E você sabe o que imagino quando fico irritada.
- Sua louca! – começou a espernear – me tira daqui! Sua
louca!
- Agora é tarde demais – derramou a gasolina no corpo do
namorado – Realmente, agora é muito tarde.
Sim, era tarde. Seu desejo a dominava. Tinha que vê-lo
queimando. Acendeu o isqueiro. A voz do garoto nada mais era do que um urro
inaudível. Então ela jogou.
O fogo rapidamente ganhou seu espaço. O urro tornou-se de
dor. Em vão, ele tentou se libertar. Guinchos, que podem ser chamados de sons,
saíram de sua boca. A garota observava encantada, enfeitiçada pelos seres do
fogo. Faziam sua dança com perfeição. Os gritos do rapaz começavam a morrer
junto com seu dono. Sem ela perceber, o fogo começava atingir os móveis e a
cortina. Os vizinhos começavam rodear a casa, gritando ou pegando mangueiras e
baldes d’agua. Ela estava imóvel, assistindo aquela maravilhosa cena. Então o
fogo veio em sua direção, e ela o abraçou. Ele começou a percorrer seu corpo,
fazendo seu vestido se transformar nas cores alaranjadas, as cores daqueles
seres fabulosos. Então passou para seu cabelo, e como numa mágica destes seres,
o mesmo transformou-se em longas cascatas de chamas. Sentia o fogo penetra-lhe
o corpo, mas não sentia dor. Sentia apenas prazer. A casa toda agora ardia. A
inimiga eterna do fogo, a água, entrou na dança. Os vizinhos não puderam
acreditar no que viam. A menina inteira estava pegando fogo e parecia não se
importar. No último momento, olhou para as chamas. Sorriu um sorriso torto,
defeituoso por causa dos lábios queimados. Abriu os braços. Iria juntar-se aos
seres mágicos, numa eterna dança ardente.
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