sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Consumação

Ele ardia. Por conta da gasolina, as chamas rapidamente espalharam-se. Ela só observava. O fogo, que parecia seres míticos numa dança ritualística, lambia o corpo do namorado com fúria. Sua dor foi sentida na forma de grito. Um estridente som enchia o aposento, que começava a ficar cheio de fumaça. O cheiro de carne sendo queimada rapidamente apareceu, fazendo-a tapar o nariz delicadamente. Os olhos do seu namorado eram de pura agonia e dor. Já os da garota, de um brilho sinistro.

Ela viu as fotos. Seu namorado aparecia com outra menina, abraçando-a e beijando-a. Lágrimas rapidamente brotaram, e fez força para não derramá-las. Não iria chorar por aquele desgraçado. Guardou cuidadosamente as fotos no envelope. Alguém as enviara pela manhã, e não se sabia quem. Olhou pela janela, a fim de talvez ver algum vislumbre do remetente. Nada relevante. Foi na despensa, e rapidamente o achou. Um galão de gasolina.

Sempre tivera fascínio pelo fogo. Achava uma coisa mágica, divina, e principalmente, tentadora. Sempre que tinha raiva de alguma pessoa, a imaginava queimando. Ouvir o crepitar das chamas, o cheiro que sempre aparece, e até o grito que a pessoa entoa. Sentia prazer nisso, um prazer proibido.

Ligou para o namorado. Ele viria dali à uma hora. Tempo mais que suficiente. Além da gasolina, também havia trazido uma corda e um pequeno peso, uma barra. Sentou-se tranquilamente na frente da televisão. As fotos estavam no seu colo. Seria hoje que seu prazer seria consumado.

O namorado chegou. Ela, indiferente, o beijou. Ele estranhou o comportamento dela:
- Está tudo bem?
- Tudo ótimo
Ele olhou para o colo dela.
- O que é isso?
- Abra
O rapaz a obedeceu. Quando viu seu conteúdo, ficou sem palavras.
- Explique. – ela disse
- Amor... – começou a gaguejar – eu, eu...
A garota ergueu o peso e o usou para bater na cabeça do namorado. Quando acordou, estava amarrado. Ela estava sentada, observando-o.
- O que significa isso?
- Você me traiu.
- Mas não precisa disso – sua voz era uma mistura de raiva com medo – vamos conversar...
- Não há nada para conversar – ela pegou a gasolina. A cor fugiu do rosto do garoto, que começou a gritar.
- Me tire daqui! – olhava para a gasolina e para o isqueiro que ela trazia – não há necessidade disso!
- Não há, é verdade – ela estava terrivelmente calma – mas você me irritou. E você sabe o que imagino quando fico irritada.
- Sua louca! – começou a espernear – me tira daqui! Sua louca!

- Agora é tarde demais – derramou a gasolina no corpo do namorado – Realmente, agora é muito tarde.
Sim, era tarde. Seu desejo a dominava. Tinha que vê-lo queimando. Acendeu o isqueiro. A voz do garoto nada mais era do que um urro inaudível. Então ela jogou.

O fogo rapidamente ganhou seu espaço. O urro tornou-se de dor. Em vão, ele tentou se libertar. Guinchos, que podem ser chamados de sons, saíram de sua boca. A garota observava encantada, enfeitiçada pelos seres do fogo. Faziam sua dança com perfeição. Os gritos do rapaz começavam a morrer junto com seu dono. Sem ela perceber, o fogo começava atingir os móveis e a cortina. Os vizinhos começavam rodear a casa, gritando ou pegando mangueiras e baldes d’agua. Ela estava imóvel, assistindo aquela maravilhosa cena. Então o fogo veio em sua direção, e ela o abraçou. Ele começou a percorrer seu corpo, fazendo seu vestido se transformar nas cores alaranjadas, as cores daqueles seres fabulosos. Então passou para seu cabelo, e como numa mágica destes seres, o mesmo transformou-se em longas cascatas de chamas. Sentia o fogo penetra-lhe o corpo, mas não sentia dor. Sentia apenas prazer. A casa toda agora ardia. A inimiga eterna do fogo, a água, entrou na dança. Os vizinhos não puderam acreditar no que viam. A menina inteira estava pegando fogo e parecia não se importar. No último momento, olhou para as chamas. Sorriu um sorriso torto, defeituoso por causa dos lábios queimados. Abriu os braços. Iria juntar-se aos seres mágicos, numa eterna dança ardente.




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