segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Absalão

A tarde arrastava-se lentamente ao clima do mês de agosto. Cícero estava sentado com as pernas cruzadas no chão do seu apartamento, fumando um cigarro. Olhava a paisagem, manchada pelas chaminés das fábricas. Manchado também estava seu pulmão. Fumava muito ultimamente, e já nem ligava. Mal bebia, pois não tinha com quem beber. Ao contrário do cigarro, acreditava que tinha que se dividir o álcool. Seu gato, chamado Absalão, se esfregou em suas pernas. Cícero sorriu, e começou a acariciar o bicho. Ele desejava em alguns momentos ser Absalão. Não ter responsabilidades nenhuma, ter liberdade de subir nos telhados. A única preocupação de Absalão talvez fosse os ratos e os cães. Ou não. Talvez o gato tivesse uma vida também, de amargura igual ao seu dono. Na verdade Cícero não acreditava ser realmente dono de Absalão, dada a audácia e a liberdade que o animal parecia emanar.

Absalão viu um rato atravessando a sala e pôs a persegui-lo. Cícero se levantou, com o cigarro em punho, e foi à janela. O sol há muito se escondera por detrás dos prédios. Cícero não mais podia aguentar. Foi se inclinando, e então colocou uma perna para fora. Morava no décimo andar, uma queda fatal. Jogou a outra perna e sentou-se. Terminaria seu cigarro ali, á beira de sua morte. Voltou a se lembrar dos problemas, das dividas, dos amores. Havia deixado o saco de ração aberto na cozinha, Absalão não morreria de fome.

Enfim concluiu o cigarro. Jogou a bituca. Viu-a desaparecer por entre a escuridão da então noite que chegava. Olhou dentro do apartamento, procurando Absalão. Não o achou. Devia estar aproveitando o rato. Gato esperto aquele. Talvez Absalão seja a única coisa boa que acontecera na vida de Cícero. Lágrimas caíam pelas bochechas, indo perder-se na vastidão que abaixo estava. Mais uma vez voltou a procurar o gato, não encontrando. Não podia mais esperar. Olhou para os prédios, para o céu, para o fim do dia. Então Cícero se jogou, de braços abertos, a fim de agarrar sua morte. Descia rápido, sentia o vento lamber sua face. Fechou os olhos, e esperou o fim.

Cícero não percebera, mas ocorria um evento em sua rua aonde havia várias tendas grandes de plástico. Caiu em cima de uma delas. A armação aguentou por um curto período de tempo, o suficiente para amortecer a queda. Então cedeu, caindo sobre não sei quê que havia embaixo. Cícero bateu a cabeça em algo, e por um momento viu tudo mudar, girar e piscar. Antes de perder a consciência podia jurar que Absalão estava na rua, próximo ao seu dono, com uma expressão de quem se pergunta o porquê de se matar por motivos tão fúteis.


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