A voz de Renato preenche o quarto. Ele é a minha única
companhia agora, a melhor. Ele cantava quando você cruzou aquela porta com a
frase nos lábios: ”Não volto nunca mais. Adeus.”. Até parece que você ainda
está ali, congelada no tempo, a repetir essa maldita frase. Alias, você que é
maldita. Eu acreditei, na minha tola ingenuidade, que você me amava. Fazíamos
tantos planos, tínhamos tantas ideias... Doce engano.
“Lembra que o plano erámos ficarmos bem”. Renato nos lembra.
Mas não ficamos bem, e temo que nunca fiquemos bem. E isso é escolha sua. Como
pode ser tão vaca, tão maldosa? Por Deus, estávamos indo tão bem. Adeus. Sua
voz não sai da minha cabeça, não para de repetir. A visão de você indo embora,
de malas na mão, vai me atormentar por muito tempo.
Eu queria sair, mas estou sem dinheiro. E todos meus amigos
estão procurando emprego. Eu queria me divertir, esquecer-se dessa noite, ter
um lugar legal pra ir. Mas não consigo pensar em outra coisa. Não tenho mais
cigarros, não tenho mais bebidas, só a voz de Renato a repetir meu lamento. A
lista acaba e eu reinicio. É só o que me resta.
Até pensaria duas vezes se você decidisse ficar. Esqueceria
nossa fútil discussão, e voltaríamos a ser como éramos antes. Mas você deixou clara a sua decisão. E eu
devo respeitá-la. Na estante, a discografia da Legião completa. Da rebeldia a
depressão. O que Renato faria? O que Renato diria? Sua voz, cantando as
infelicidades de V, me parece dar a resposta. Eu que sou burro em não perceber.
Mas aposto que se você estivesse aqui, saberia me responder. Alias, se você
estivesse aqui, nada disso estaria acontecendo. Olho para o céu, nos tons
carmesins do crepúsculo, e continuo sem entender. Renato parece insistir em me
dar a reposta. Então finalmente eu percebo. Mas também percebo
que é terrivelmente tarde pra qualquer coisa.
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