quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Degraus Invisíveis

Claro como o dia, o desejo surge. E ele vai se apoderando da minha consciência de tal forma, que é quase impossível contê-lo. Fico furioso com isso. Detesto ser manipulado, independente do que seja. Mas parece que o desejo (que, acredite, parece ter vida própria) não quer saber o que acho. Logo, logo ele ia querer ser posto em prática e isso acarretaria riscos. Tento inutilmente lutar contra ele, só que ela é mais forte do que eu.

Subo o lance de escadas devagar. Dezoito anos e pareço ter quarenta. Com meu apartamento tão longe e eu tão cansado, me sento na metade do percurso. Tateio na bolsa o maço de cigarros, mas não encontro. Tombei com um pacote de biscoitos pela metade, que deveria ter sido meu almoço. Agora que percebo que estou com uma fome imensa. Então o desejo volta com força, como um tiro disparado de lugar algum. Apodera-se de mim com tamanha fúria, que sinceramente penso em estar sendo possuído ou algo do tipo. O biscoito rapidamente acabou, mas estava com preguiça de levantar. Finalmente encontro o maço. A fumaça sobe pelo ar, criando uma atmosfera estranha naquela penumbra de começo de noite.

Mas o desejo... Esse não tarda em atormentar. Preparava-me para retomar a subida, quando ele volta a dar o ar de sua graça. Quero resistir, quero lutar, mas é sua força é incomparável.

Chego ao apartamento, cansado e enfadado daquilo. Troco de roupa, tomo um banho, janto. Essas coisas momentaneamente ocupam minha mente, mas lá vem ele de novo. Vencido, pego o telefone. Então a partir deste momento eu não fui eu. Apenas lembro ligar pra ele, marco um encontro. Lembro-me de colocar uma roupa com desleixo, e sair rua afora. Lembro-me de vê-lo, tomar uma cerveja, conversar futilidades. Lembro-me da sua mão ousada pela minha coxa, e a minha pela dele. Do seu pênis ereto na calça apertada, e o meu também. Lembro-me de termos ido a algum lugar escuro, e lá consumar o ato. Lembro-me de seu chamado insistente para ir a sua casa. Depois disso, são apenas borrões.


Voltei a ser eu quando abria a porta do apartamento, com os primeiros raios de sol a entrar pelas janelas e frestas. Um banho rápido e me jogo na cama. Não tinha espelho próximo, mas eu sentia que via a mim mesmo ao meu lado na cama. Enfim o desejo estava consumado. No fundo, gostava daquela embriaguez. Do lapso significativo da memória, aonde assumo uma personalidade desconhecida. Ou talvez seja o meu eu mais íntimo em seu momento de liberdade. Pego no sono. Sonhei que subia lances e mais lances de escada. Mas não via essas escadas. Só havia uma luz difusa no topo. Eu não me lembro de ter chegado lá, pois acordei de repente. Eram mais de meio-dia, e sentia que o desejo não tardaria em voltar.

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