“Beije-me, beije-me
como se fosse a última vez”
Não sabíamos definir o que éramos. Na verdade, nem queríamos
isso. Estava tão bom assim, sem nada certo ou verdadeiro. Deixava-nos levar
pelas ondas do tempo, não se preocupando onde iriamos desaguar.
O conforto era mútuo, tristeza não havia. Víamo-nos quando
convinha, beijava-nos quando era a hora, transávamos quando era adequado.
A liberdade daquilo era assustadora. Ficávamos com outras
pessoas, e algumas vezes tentávamos iniciar um relacionamento com elas. Mas não
adiantava. Estávamos embriagados um pelo outro, mesmo que negássemos isso.
Jogávamos um tipo de jogo, desconhecido por muitos, no qual nenhum dos dois
lados perdia. Só lucrava, só ganhava, e isso era incrível.
Ríamos por qualquer besteira, nos divertíamos juntos,
almoçava na casa do outro como mero amigo. Ninguém sabia daquilo, nem mesmo os
amigos mais íntimos, que pelo correto deveriam saber.
Então numa noite as coisas mudaram.
Cheguei do trabalho, mortalmente cansado. Pensava em jantar,
tomar um banho e propor um filme debaixo das cobertas. Até tinha escolhido um:
Casablanca.
Abri a porta de entrada, e estranhei o apartamento estar às
escuras. Tateei pelas paredes em busca do interruptor. Quando a luz acendeu
notei que a sala estava vazia, mas do quarto provinha certa luz. Dirigi-me pra
lá, e abri a porta.
Seu corpo estava estirado na cama, nu como veio ao mundo,
sobreposto a outro. Agitava-se loucamente, como que suas vidas dependessem de
terem que atingir o orgasmo. Pararam ao notar minha presença, que
sorrateiramente não foi sentida uns segundos atrás. Respiraram, e me disse numa
voz ousada:
- Quer participar?
De antemão, digo que sou adepto a tais aventuras no mundo do
sexo. Mas aquela noite não, eu não tinha disposição sequer pra um quem dera
dois.
Suspirei e disse numa voz um tanto irritada:
- Por favor, tantas noites e vocês escolhem justo essa?
Planejava algo especial.
O outro, assustado com a minha chegada, foi pegando suas
roupas que estavam espalhadas no quarto.
- Não, não precisa temer. Não temos um relacionamento
convencional.
- Sério? – De um tom ousado, sua voz foi pra desafio –
Tantos meses e você diz que não temos nada?
- Ué, e temos? – Fiz um ar de desentendido – Ninguém me
disse.
Mesmo com meu aviso a pessoa partiu mal se despedindo. Enfim
estávamos a sós. Nem demos por falta.
- Pensei... Pensei que tínhamos algo especial. – Parecia que
ia desabar em choro a qualquer momento.
- E temos. Mas achava que nosso acordo era não ter nenhum
relacionamento sério.
- Mesmo assim...
- Veja bem – larguei a bolsa no canto e me sentei ao seu lado
– Se você realmente se importasse com isso, não me estaria “traindo”. O único
trato era o uso de camisinha, e espero que você tenha cumprido isso.
- Não se preocupe com isso – e apontou o preservativo usado
ao lado da cama. – Eu... Eu não quis fazer isso, acredite. Encontramo-nos no
shopping, surgiu um clima, conversamos e então...
Sorri e disse num tom afável
- Não se culpe, eu não estou te repreendendo. Você é livre
para fazer o que quiser. Nunca exigi nada.
Ele parou por uns instantes, absorto em seus pensamentos. E
disse lamuriento:
- Não posso mais continuar com isso, não posso. Eu tento,
mas não dá mais...
Foi a primeira vez que fiquei surpreso naquela situação
toda. E de surpresa passava para a decepção, e eu sabia que passaria para
tristeza em breve. Não tínhamos nada firme, mas eu nutria sentimentos.
Rapidamente retomei as rédeas.
- Acho que te entendo... Nem todos estão preparados.
Inclusive eu.
E então desatou a chorar, e recostou a cabeça no meu ombro.
Acariciei seus cabelos e disse, tentando passar confiança:
- Vamos... Está tudo bem. Trouxe um filme para vermos.
- Qual? – enxugava as lágrimas com as costas das mãos.
- Casablanca.
Sorriu, e concordou. Eu disse que tomaria banho, e que ele
fosse colocando o filme.
Abraçados no sofá, sentíamos a força que emanava daquela
película antiga. Os protagonistas tinham uma incrível sintonia, e até ouso
dizer que parecíamos com eles. Aprumou-se nos meus braços e me beijou. Ali
havia um quê de despedida, algo que se esvaía. E foi no justo momento que os
protagonistas se beijavam.
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