sábado, 5 de outubro de 2013

Pássaros em Queda

“Beije-me, beije-me como se fosse a última vez”
Ingrid Bergman, no filme Casablanca

Não sabíamos definir o que éramos. Na verdade, nem queríamos isso. Estava tão bom assim, sem nada certo ou verdadeiro. Deixava-nos levar pelas ondas do tempo, não se preocupando onde iriamos desaguar.
O conforto era mútuo, tristeza não havia. Víamo-nos quando convinha, beijava-nos quando era a hora, transávamos quando era adequado.

A liberdade daquilo era assustadora. Ficávamos com outras pessoas, e algumas vezes tentávamos iniciar um relacionamento com elas. Mas não adiantava. Estávamos embriagados um pelo outro, mesmo que negássemos isso. Jogávamos um tipo de jogo, desconhecido por muitos, no qual nenhum dos dois lados perdia. Só lucrava, só ganhava, e isso era incrível.

Ríamos por qualquer besteira, nos divertíamos juntos, almoçava na casa do outro como mero amigo. Ninguém sabia daquilo, nem mesmo os amigos mais íntimos, que pelo correto deveriam saber.
Então numa noite as coisas mudaram.

Cheguei do trabalho, mortalmente cansado. Pensava em jantar, tomar um banho e propor um filme debaixo das cobertas. Até tinha escolhido um: Casablanca.

Abri a porta de entrada, e estranhei o apartamento estar às escuras. Tateei pelas paredes em busca do interruptor. Quando a luz acendeu notei que a sala estava vazia, mas do quarto provinha certa luz. Dirigi-me pra lá, e abri a porta.

Seu corpo estava estirado na cama, nu como veio ao mundo, sobreposto a outro. Agitava-se loucamente, como que suas vidas dependessem de terem que atingir o orgasmo. Pararam ao notar minha presença, que sorrateiramente não foi sentida uns segundos atrás. Respiraram, e me disse numa voz ousada:

- Quer participar?

De antemão, digo que sou adepto a tais aventuras no mundo do sexo. Mas aquela noite não, eu não tinha disposição sequer pra um quem dera dois.

Suspirei e disse numa voz um tanto irritada:
- Por favor, tantas noites e vocês escolhem justo essa? Planejava algo especial.

O outro, assustado com a minha chegada, foi pegando suas roupas que estavam espalhadas no quarto.

- Não, não precisa temer. Não temos um relacionamento convencional.
- Sério? – De um tom ousado, sua voz foi pra desafio – Tantos meses e você diz que não temos nada?
- Ué, e temos? – Fiz um ar de desentendido – Ninguém me disse.

Mesmo com meu aviso a pessoa partiu mal se despedindo. Enfim estávamos a sós. Nem demos por falta.

- Pensei... Pensei que tínhamos algo especial. – Parecia que ia desabar em choro a qualquer momento.
- E temos. Mas achava que nosso acordo era não ter nenhum relacionamento sério.
- Mesmo assim...
- Veja bem – larguei a bolsa no canto e me sentei ao seu lado – Se você realmente se importasse com isso, não me estaria “traindo”. O único trato era o uso de camisinha, e espero que você tenha cumprido isso.
- Não se preocupe com isso – e apontou o preservativo usado ao lado da cama. – Eu... Eu não quis fazer isso, acredite. Encontramo-nos no shopping, surgiu um clima, conversamos e então...
Sorri e disse num tom afável
- Não se culpe, eu não estou te repreendendo. Você é livre para fazer o que quiser. Nunca exigi nada.
Ele parou por uns instantes, absorto em seus pensamentos. E disse lamuriento:
- Não posso mais continuar com isso, não posso. Eu tento, mas não dá mais...
Foi a primeira vez que fiquei surpreso naquela situação toda. E de surpresa passava para a decepção, e eu sabia que passaria para tristeza em breve. Não tínhamos nada firme, mas eu nutria sentimentos. Rapidamente retomei as rédeas.
- Acho que te entendo... Nem todos estão preparados. Inclusive eu.
E então desatou a chorar, e recostou a cabeça no meu ombro. Acariciei seus cabelos e disse, tentando passar confiança:
- Vamos... Está tudo bem. Trouxe um filme para vermos.
- Qual? – enxugava as lágrimas com as costas das mãos.
- Casablanca.

Sorriu, e concordou. Eu disse que tomaria banho, e que ele fosse colocando o filme.

Abraçados no sofá, sentíamos a força que emanava daquela película antiga. Os protagonistas tinham uma incrível sintonia, e até ouso dizer que parecíamos com eles. Aprumou-se nos meus braços e me beijou. Ali havia um quê de despedida, algo que se esvaía. E foi no justo momento que os protagonistas se beijavam. 

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