quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Ausência

Ela não sabia identificar qual sentimento sentia naquele momento. O caixão do seu esposo descia lentamente para cova, e ela olhava indiferente. No decorrer das horas, várias pessoas vieram lhe falar, mostrar que sentiam muito, que ele era um bom homem. Gente falsa. Não conhecia metade daquelas pessoas. Amigos apareciam e falavam as mesmas coisas. Ela fingia concordar, fingia aceitar, e novamente olhava para o caixão.

No velório, viu a face de um homem completamente diferente. Trajava um bonito terno, e tinha os cabelos penteados. Flores estavam em volta do morto, dando um toque estranhamente engraçado. Mas ela não chorava. Queria chorar, mas não conseguia. Para mostrar que estava triste, ficou um bom tempo ao lado do marido, alisando suavemente sua testa. O corpo estava gelado. O do seu amor era quente. Os lábios estavam ficando roxos, outrora rosados e cheios de vida. Afastou-se e se deixou rodear pelos familiares. E ela só olhava, ora pro defunto, ora pro vazio. Sentia tristeza sim, mas sentia algo maior. Apostava na indiferença. O que mais podia ser? Não conseguia sequer derramar uma lágrima. O esposo fora um homem alegre, falava com todos, não tinha intriga com ninguém. Nunca gostou de ver a esposa triste. Foi com esse pensamento que ela esboçou um tímido sorriso.


Agora, com o caixão já sendo coberto, é que ela se permitiu uma lágrima. Lágrima que se perdeu nas escuras areias. Não sabia explicar o porquê de tanta frieza com seu amor. Ele fora um bom marido, bom amigo, bom amante. O que ela sentia naquele momento, pensou mais tarde, era irrelevante. Seu marido estava morto, e não faria a menor diferença a quantidade de pranto ali derramada. Ele não voltaria. 

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