Ela era senhora da noite, dama, duquesa. Seus lábios
carnudos beijavam um cigarro, e volta e meia liberavam uma fumaça que se perdia
nos confins daquela noite de sábado. Um rapaz, tímido por sinal, estavam do
outro lado do bar. Mas ela sabia esperar o momento certo. Pediu mais uma
cerveja e pôs a observar o moço. Ele, com uma ice, olhava com cautela pros
lados. Ela sorriu. Ela também já fora assim. Mas isso foi há muito tempo atrás,
quando ainda não havia provado o gosto amargo da desilusão.
Se as horas passavam, ambos não saberiam dizer. Estavam
concentrados demais em seus “afazeres”. Ela, que tinha o apelido de Kenya (e
não sabia como explicar a origem), mantenha os olhos fixos no rapaz. Até que
determinado momento ele notou que estava sendo observado. Ficou de certa forma
petrificado, como que se tivesse levado um choque. E Kenya também ficou
chocada, pois ele lembrava o outro. O outro, ele. Felipe. O maldito Felipe.
Por um momento Kenya se sentiu tonta, e quase derrubou o
copo. Parecia que o bar começava a movimentar-se num borrão, como se Cronos
estivesse fazendo uma brincadeira perversa. Ela não podia acreditar. O moço era
igual ao Felipe, até nos detalhes que só ela tinha percebido. Não conseguiu
sustentar o olhar por muito tempo, e rapidamente pediu a conta ao garçom. Tinha
que embora o mais rápido possível. O sósia de Felipe continua estático. Parecia
que Kenya lhe lembrava alguém. Quando enfim conseguiu sair dali, ela desabou em
lágrimas. Esforçava-se, mas não conseguia esquecê-lo. Felipe estava entranhado
nela, seu cheiro estava impregnado nela. Ainda tinha algumas roupas suas no
guarda-roupa de Kenya. E ela teria que assumir atitudes drásticas.
As meninas até tentaram perguntar o que havia acontecido,
mas não obtiveram resultado. Kenya foi até a área de serviço, com todas as
roupas dele, e as colocou na pia. E tacou fogo. As meninas observavam atônitas,
esperando o pior. E Kenya, que tinha o rosto rubro por causa das chamas, fixava
seu olhar para o horizonte. As estrelas decadentes, o céu tosco, a cidade
vazia. Mas certo tempo atrás aquilo tudo foram deles. Eles, acima de qualquer
coisa, foram um casal feliz. Já fazia um ano, e ela não superava. Pois aquilo
era insuperável. Aquilo era imortal. E quando as chamas aquietaram-se, e as
meninas a levaram pro quarto, Kenya mantinha um rosto abatido, mas ao mesmo
tempo sereno. O mar também fora deles. Hoje não mais. Nem ela era de si mesma.
Ela era dele. E ele era seu. Para sempre.
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