terça-feira, 29 de outubro de 2013

Inesquecível

Ela era senhora da noite, dama, duquesa. Seus lábios carnudos beijavam um cigarro, e volta e meia liberavam uma fumaça que se perdia nos confins daquela noite de sábado. Um rapaz, tímido por sinal, estavam do outro lado do bar. Mas ela sabia esperar o momento certo. Pediu mais uma cerveja e pôs a observar o moço. Ele, com uma ice, olhava com cautela pros lados. Ela sorriu. Ela também já fora assim. Mas isso foi há muito tempo atrás, quando ainda não havia provado o gosto amargo da desilusão.

Se as horas passavam, ambos não saberiam dizer. Estavam concentrados demais em seus “afazeres”. Ela, que tinha o apelido de Kenya (e não sabia como explicar a origem), mantenha os olhos fixos no rapaz. Até que determinado momento ele notou que estava sendo observado. Ficou de certa forma petrificado, como que se tivesse levado um choque. E Kenya também ficou chocada, pois ele lembrava o outro. O outro, ele. Felipe. O maldito Felipe.

Por um momento Kenya se sentiu tonta, e quase derrubou o copo. Parecia que o bar começava a movimentar-se num borrão, como se Cronos estivesse fazendo uma brincadeira perversa. Ela não podia acreditar. O moço era igual ao Felipe, até nos detalhes que só ela tinha percebido. Não conseguiu sustentar o olhar por muito tempo, e rapidamente pediu a conta ao garçom. Tinha que embora o mais rápido possível. O sósia de Felipe continua estático. Parecia que Kenya lhe lembrava alguém. Quando enfim conseguiu sair dali, ela desabou em lágrimas. Esforçava-se, mas não conseguia esquecê-lo. Felipe estava entranhado nela, seu cheiro estava impregnado nela. Ainda tinha algumas roupas suas no guarda-roupa de Kenya. E ela teria que assumir atitudes drásticas.


As meninas até tentaram perguntar o que havia acontecido, mas não obtiveram resultado. Kenya foi até a área de serviço, com todas as roupas dele, e as colocou na pia. E tacou fogo. As meninas observavam atônitas, esperando o pior. E Kenya, que tinha o rosto rubro por causa das chamas, fixava seu olhar para o horizonte. As estrelas decadentes, o céu tosco, a cidade vazia. Mas certo tempo atrás aquilo tudo foram deles. Eles, acima de qualquer coisa, foram um casal feliz. Já fazia um ano, e ela não superava. Pois aquilo era insuperável. Aquilo era imortal. E quando as chamas aquietaram-se, e as meninas a levaram pro quarto, Kenya mantinha um rosto abatido, mas ao mesmo tempo sereno. O mar também fora deles. Hoje não mais. Nem ela era de si mesma. Ela era dele. E ele era seu. Para sempre. 

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